quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Constatação

Não.
Nunca amaste na vida.
Tiveste paixões febris
e anseios de amor
mas nunca amaste na vida.

És o homem–menino
criança inquieta, travessa
arquitetando romances como batalhas
marcando uma a uma as mulheres
fincando em terra
bandeirolas de amores de livros empoeirados.

Nunca amaste por temor ou altivez.
E por tua fragilidade
não te é permitido reduzir meu amor a uma etérea paixão:
eu te amo.

Até que te transformes em homem
aguardo-te
até que aprendas a amar.


Poema significativo para mim, pois liberto de um caráter autobiográfico. Guardadas as devidas influências de situações cotidianas (não é um poema para, mas um poema com alguém), nasceu inspirado por um excerto de “Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres”, obra sensível de Clarice Lispector.

sábado, 22 de dezembro de 2012

Templo


Tendo-te em mim
aparto-me dos corpos febris
vendando-me os olhos em delírio.

Deixo-te inundar-me
- gota a gota
de uma dilacerante alegria.
É a pura essência da vida
pulsante
rítmica
expondo-se
em átimos de júbilo
liberta
de regras e compromissos.

Em nossas peles atadas
um templo:
lava conformando a prece
redenção pelo êxtase sacro.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Poema de despedida nº 3


Três é o teu feito.
Cabalístico algarismo
a marcar minha carcaça.

Três foi o meu dom
de atirar-me destemida
em teus braços
forçando uma a uma
tuas lanças de suposto guerreiro
contra meu peito
incendiando-me
em minha própria chama viva.

Mas se mesmo a lava endurecida
é surpreendida pela insistência da vida
eu
por três vezes por ti reduzida
persisto.
Três é o meu número e o meu limite.

De certo, ainda te amo
porém, a luta que travas com meu coração
deixo-te ganha.
Tens aqui
na ponta desta terceira e derradeira lança
meu órgão pulsante como um troféu.
Entrego-te o meu amor e o meu martírio.
E neste exato instante
digo-te: adeus.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Girassol da Caverna

"Holofotes riscando a treva aberta 
Suicídio da luz no breu sem fim 
Iluminando tudo ao redor de mim 
Tenho o riso febril de quem se oferta 
Sou pedaço de terra descoberta 
Por um navegador que sou eu mesmo 
E por mais que a nau viaje a esmo 
Em meu peito a rota é sempre certa

Eu sou um girassol e busco a luz 
Mas nasci dentro de uma caverna 
Com algemas de folhas presa à perna 
E horizonte nenhum que me guiasse 
Eu pensei que aí tudo acabasse 
Quando em mim teu amor fez moradia 
Hasteou esse sol que acenderia 
O planeta inteiro se precisasse

Eu sou um girassol indignado 
E a voz que me rege é a verdade 
Minhas pétalas clamam liberdade
Para o meu coração agoniado 
Nesse circo de arame farpado
Palhaço de poucas ilusões 
Cantando na festa dos leões 
Com metade do riso amordaçado
Bastaria vagar pela cidade 
Para ver a angústia em cada face 
E por mais que os olhos eu fechasse 
Sentiria o cheiro da carniça 
Que o dedo maior da mão postiça 
Semeou pelas praças, pelos becos 
Quem chorava já tem os olhos secos 
De esperar o fantasma da justiça

Eu não li o epílogo da peça 
Mas pressinto no jeito dos atores 
O começo do fim desses horrores 
A maldade que na razão tropeça 
E o ciclo da história já tem pressa 
Pra bater o martelo contra a mesa 
E cantar voz bem alta a natureza 
Pra esse sol exilado que regressa."

Lula Queiroga

domingo, 2 de dezembro de 2012

Temente


És o menino
travesso
de asas nos pés.
Me amas
me atiças
mas, ao conquistar-me,
de pronto
te afliges
e voas
temente
buscando
afoito
o tronco mais alto
para, estando seguro,
me observar.

Não teimes
meu dengo.
Meus olhos felinos
afrontam teu medo
e sei que tu tocas
meu fogo latente
que irrompes
com lábios e dedos
sentindo ao longe
minhas curvas
meu cheiro
e o sabor agridoce
que te condenam
a um febril devanear.

Portanto
não te acanhes
meu Mimo
salta logo do refúgio
e vem
a tua cabocla
tomar.

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Homem-Ossanha: o que diz ´vou´ e não vai

Xico Sá é pura poesia... Para a música, sugiro a versão do Casuarina: http://www.youtube.com/watch?v=vLRv2fjgJqE.

"Homem-Ossanha: o que diz ´vou´ e não vai

É tempo de homens frouxos e perdidos, baby. Homens que não pegam no tranco. Homens que estão sempre confusos. Melhor: 'cafusos', como na blagle do gênio Didi Mocó -'eu tô cafuso, eu tô cafuso'.
E não me venham mais, caros colegas de perdição, com essa história de que estamos zuretas por causa do avanço da fêmea e outros chabadabadás etc etc. Isso é coisa para simpósio, café filosófico, Casa do Saber etc.
Caí nesse conto do varejo sociológico, mas agora me rebelo. Estamos perdidos por preguiça sentimental mesmo. Pura acomodação. Não tiramos a bunda do sofá. Seja para ver um Madureira x Brasiliense ou para ver o título do Corinthians na Libertadores.
Fingimos que estamos reagindo aos sinais dos tempos. Necas. Não confundam metrossexualismo com sensibilidade. Usar um creminho e depilar o peito, nos casos mais extremados, não é ser um hétero com alguma delicadeza. Muito pelo contrário.
Estamos onde sempre estivemos: acomodados à repetição da rotina. Homem ama quando o garçom pergunta: 'o de sempre, doutor?' É deveras confortável. Daí levamos o conforto do botequim para todos os lugares.
Daí esquecemos o pedido mais óbvio e silencioso das mulheres: 'Me surpreenda, miserável!'
E, amigo, se ela tiver que verbalizar esse pedido implícito nos seus olhos e gestos, adeus, estamos lascados. É que já estamos no atoleiro moral do namoro ou casamento.
Nossa boa forma de usufruir o melhor dos mundos é fácil. É só aplicar o lema dos escoteiros: “Sempre alerta”.
Sempre ligado para ler os sinais no rosto delas. Ler principalmente os olhos, as entrelinhas, os silêncios ao dobrar a esquina etc. Não deixar que ela se entregue a divagações com os farelos dos pães do café para nós dois.
Se você dá chance à metafísica dos farelos, já era. Logo mais a danada vai alegar um tal de retorno de Saturno, vai ficar toda mística, e adeus. Todo cuidado é pouco com todas as fêmeas, mas, por favor, atenção redobrada às mulheres que chegam ali por volta dos 28.
Idade fatalíssima. Mais esforço, hombres. Também estou tentando.
O que nos mata é esse eterno 'Canto de Ossanha', como no samba de Vinícius de Moraes e Baden Powell: 'O homem que diz vou/ Não vai!'
Escute a música aqui e repare se não faz sentido.
Nunca estivemos tão vacilões. Canalhas primários. Só prometemos. Dizemos que vamos e… 'puerra ninguna', como diz meu papagaio paraguayo no seu portunhol selvagem.
Matamos até aquela clássica exclamação rosada das bochechas femininas: 'Você só quer me comer!!!'
'Quem dera', elas riem da nossa cara. Nem isso. Muitas vezes nem isso, como me contam aqui, na apuração da tese de boteco, as minhas lindas Gi,Dri,Mi,Bi,Fá,Só, Lá,Si…Dó! SP ama encurtar os batismos, eu acho ótimo e afetivo.
Passo a régua com um haikai que fiz um madruga dessas, no mercado do Peixe, Salvador, Rio Vermelho: Você vem, mexe, assanha /depois fica no vai não vai/ parece 'Canto de Ossanha'."

In: http://xicosa.blogfolha.uol.com.br/2012/07/03/e-tempo-de-ossanha-homem-que-diz-vou-nao-vai/

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Incógnita

Se na pena e no papel
eu não me encontro,
perdi-me pelas bifurcações,
pelos caminhos tortos
que tomei.
Na secura,
meu eu, meu ponto-incógnita,
procura-se em Tel Aviv.

Não fui
a vaca profana
do bom leite etílico
jorrando em fontes
de minhas tetas,
nem as palavras soam mais
ácidas ou líricas.

Não queira chegar
ao centro lúdico de meu eu
solitário e nômade,
ainda escondido por detrás de minha antiga máscara -
relíquia de algum carnaval em Veneza.

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Como brasa


Pensava ter arrancado

cada traço do teu gosto

dia após dia

ao despir-me das vestes.

Mas, ah, meu amor,

és a crua linha

que marca e que tece

palavra a palavra

como brasa sob a pele.

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Não sairás impune


Não sairás impune
por deixares escorrer entre teus dedos
a areia do infinito das horas que dediquei a ti.

Não sairás impune
pelo oceano que, por ti, atravessei a nado
ainda que minha única certeza
fosse a do acaso de um encontro acidental.

Não sairás impune
pelos mimos e presentes com que te agradei
na vã expectativa de ver
minha inerte presença em todos os teus dias.

Não sairás impune
por cravares em meu dorso
palavra a palavra
de ensaiadas frases
até que em minha pele não houvesse nada além de ti.

Não sairás impune
por não teres compreendido nada.
Nada!
Eis que foste incapaz de decifrar meu olhar
urrando o sufocado “eu te amo”.

Não sairás impune, meu bem,
por não teres feito de tua “aventura”
o teu cotidiano
por, no futuro,
vires a ser inevitavelmente
arrebatado pela constatação
de que renegaste teus próprios poemas,
pois sua tinta é meu sangue,
seus versos, meus ossos,
suas rimas, minha alma em brasa!
E, diante de tão vazia realidade,
esta que covardemente escolheste,
desejarás ter dilacerado a tua carne
em nosso “acidente”.

Crê em mim.
Não sairás impune!

sábado, 3 de novembro de 2012

Perfil


Gosto da simplicidade.
De um balão que se desprende
de pequeninos dedos
para cumprir seu incerto destino.
Do olhar de uma criança
ao tatear em descobertas
o rosto de seu pai.
Do eco das risadas de amigos
numa tarde ensolarada
imprimindo na lembrança uma bela comunhão.
Gosto também de paixões destemidas
de não calcular o futuro
de amar e sofrer
tendo, assim, a certeza de pulsar.
Gosto de chorar frente à beleza
de cantar mesmo sem voz
e de dançar até amanhecer.
Gosto de redescobrir um livro
e de fazer da primeira a sequência de sua última página.
Gosto da transparência de meus olhos
de ser dócil quando bailarina
ou felina quando mulher em brasa.
Gosto, enfim, de ser tão humana
a ponto de permitir-me a fragilidade do erro
presenteando-me com a possibilidade de
em minha imperfeição
continuamente aprender.

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Ser índio


I

Minha língua
é o canto da mata.
Minha floresta
é território
é cultura.

Cada rio
cada trilha
cada raio de sol e lua
é um pranto
é um riso
é a face divina
e minha própria persistência.

Minha terra é minha nação
e quando luto
fincando raízes
até meu sangue
tocar meus mortos
clamo pela paz liberta
e defendo a vida
a não ser jogada à própria sorte.

II

O fazendeiro
que se esconde
detrás de um pistoleiro
quer o domínio
e cifras
a brotarem dos cativeiros.

Quer suicídio
assassínio
e o extermínio
por ventres violados.

Em atos brutos
cala a beleza
de danças e cultos.
Deseja terras
não terra.
Craveja o solo
sem apreço
legando apenas
um futuro de miséria.

domingo, 28 de outubro de 2012

Fernanda e Daniel

Senhoras e senhores
rapagões e senhoritas
venham ouvir num pulo só
que esta história é bendita.

Nela verão o Cupido,
uma donzela atrevida
e o Rei do bacalhau!
Todo mundo jungido
num destino tecido
pelos acasos da vida.

Ela traz em seus cabelos
a cor viva e felina
um dourado qual o sol
que o agreste calcina.

Ele era no Cangaço
um destemido guerreiro
pois trazia mais fio branco
que um velho feiticeiro.

Ela era faladeira
bem sarrista, mas dengosa
qual o pai, um piadista
e a mãe, tão amorosa.

Ele era um mistério
engraçado e o mais cortês
mas era tão muquirana
quanto um velho libanês.

E um dia se encontraram
numa festa, um São João,
e o Cupido ouriçou-se
começando a reinação.

Foi paixão a uma vista
coisa tão imprevista
quanto a chegada benquista
do rei Dom Sebastião.

Eram agora prisioneiros
um ao outro bem atado
querendo formar um bando
com quinze filhos falando:
Eita xamego arretado.

E para encurtar esta prosa
o cantador lhes deseja
uma vida cor de rosa
apaixonante e benfazeja
que cada noite e cada dia
sejam doces como mel
plenos de paz e harmonia,
Fernanda e Daniel.

E agora ao rega-bofe
que o casal com tanto empenho
preparou aos convidados
ao som de samba, forró
e um hip-hop suingado
regado a muito chope
e à alegria de quem veio.

Este poema, uma homenagem ao casamento da minha irmã, foi fruto de uma parceria com o meu pai.

sábado, 20 de outubro de 2012

Possibilidades (Wislawa Szymborska)

Prefiro o cinema.
Prefiro os gatos.
Prefiro os carvalhos sobre o Warta.
Prefiro Dickens a Dostoiévski.
Prefiro-me gostando das pessoas
do que amando a humanidade.
Prefiro ter agulha e linha à mão.
Prefiro a cor verde.
Prefiro não achar
que a razão é a culpada de tudo.
Prefiro as exceções.
Prefiro sair mais cedo.
Prefiro conversar sobre outra coisa com os médicos.
Prefiro as velhas ilustrações listradas.
Prefiro o ridículo de escrever poemas
ao ridículo de não escrevê-los.
Prefiro, no amor, os aniversários não marcados,
para celebrá-los todos os dias.
Prefiro os moralistas
que nada me prometem.
Prefiro a bondade astuta à confiante demais.
Prefiro a terra à paisana.
Prefiro os países conquistados aos conquistadores.
Prefiro guardar certa reserva.
Prefiro o inferno do caos ao inferno da ordem.
Prefiro os contos de Grimm às manchetes dos jornais.
Prefiro as folhas sem flores às flores sem folhas.
Prefiro os cães sem a cauda cortada.
Prefiro os olhos claros porque os tenho escuros.
Prefiro as gavetas.
Prefiro muitas coisas que não mencionei aqui
a muitas outras também não mencionadas.
Prefiro os zeros soltos
do que postos em fila para formar cifras.
Prefiro o tempo dos insetos ao das estrelas.
Prefiro bater na madeira.
Prefiro não perguntar quanto tempo ainda e quando.
Prefiro ponderar a própria possibilidade
do ser ter sua razão.

Poemas. São Paulo: Companhia das Letras, 2011, pp. 87-88.

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Das horas


O relógio marcava
as sete e meia da noite.

Às sete e meia da noite
meu mundo caía.
Eu recusava olhar em teus olhos
a derrubada dos pilares da minha fundação.

Em meu abraço,
que por si te rogava
ser mentira,
sussurrava
o “eu te amo”
até o murmúrio
transformar-se em grito.
Mas mesmo em teu choro
permaneceste altivo
observando
uma a uma
minhas paredes ruindo.

Às nove horas da noite
meio sorriso nos lábios
partiste.
Vi em teus olhos
o alívio do fim.

Persiste a noite.
Mas se esquecer
é a mortalha
tecida
pelo medo
ao ainda
amar-te
me faço forte.

domingo, 14 de outubro de 2012

Fim do amor


Ponho-me diante do papel
caneta em punho
no afã de articular a palavra
que abrirá a porta do verso.

A mente vagueia os temas mais fúteis
a novela
o futebol
as eleições
e nada
nada a dizer num poema:
não trago em minha rima o amor
ou a vaidade que se exprime pelo ódio.

Não podes ao menos
ser o desconhecido
que, em sua solidão felina,
espreita meus olhos e
imediatamente
craveja minha mente
com a ideia do que seja sua vida.

Está constatado:
em ti
não vejo mais poesia.

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Condução


Temi
ao abrir a porta
reverenciar a pena que
por dias
curvou-me quase ao chão.

Surpresa
fui ancorada pela firmeza
de uma casa vazia
ansiando por mim.

O silêncio impunha a mudez
até mesmo aos relógios
demandando que cada cômodo
aguardasse minha ordem de condução.

Reencontrei
em meu quarto
a pureza sem perfume.
Em minha cama
acariciei as fibras do linho
perdoando meus lençóis
pela ditada
tortura
de tua lembrança.

Ali
completamente plena
não pude definir
o exato instante de tua partida.
Apenas tive a certeza de
finalmente
ter consentido
a nossa liberdade.

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Urro


Tem piedade e dita
o nome do reagente
capaz de neutralizar
teu cheiro em minha pele e em meus lençóis.

Diz
que não dedicaste
ao menos um resquício de memória
aos contornos de meu corpo
à textura de meus lábios
ao gosto de meus seios em tua boca.

Grita
que todas as pequenas coisas do cotidiano
- tomadas quebradas
chuveiros queimados
chicletes perdidos
mentiras noticiadas nos jornais -
tenham sido suficientes para esqueceres de mim.

Urra
para que eu escute
que não fui nada além de um deleite
que não viste nada além de minha carcaça
que desejaste pernas mais torneadas
cinturas mais finas
sorrisos mais falsos
olhares menos selvagens.
Que sonhaste com amores impossíveis
e que meu amor afronta a lógica do destino que ditaste para ti.

Reconhece
que não suportaste conviver com a ideia de felicidade
pois ela seria por demais burguesa
já que a realidade
esta crua,
dura como concreto, realidade
somente aceita obrigações.

Aceita
que tua vida
escapará aos poucos pelas frestas que
por acidente
deixarás abertas pelos caminhos
e que, ao fim,
não restará nada
eis que, conscientemente,
terás fugido de ti.

terça-feira, 2 de outubro de 2012

O amor


O amor escancarou a porta daquele quarto escuro,
formou desenhos de dedos no quadro empoeirado
até que o sonho renascesse em imagem.
Pouco a pouco,
desempacotou músicas nunca mais ouvidas,
livros que rangeram quando abertos,
desvendou pessoas,
clareiras revelando a mão dupla dos caminhos
e o sabor ousado de sentidos clandestinos.

Em êxtase, o amor foi recebido,
desnudando-se sua virtuosa riqueza de estilo.
Mas bem se sabia que o espetáculo
não passaria de uma tragédia
anunciando, enfim, o seu clímax:
melhor seria que amar fosse verbo intransitivo.

domingo, 30 de setembro de 2012

Meu lugar


Ando pelas ruas da minha cidade.
De repente,
ela não pertence mais a mim.
Em preto e branco,
vejo as torres coloridas de sua principal avenida.
Silencio
o som do tráfego e da euforia.
Os circulares apontam direções,
mas nenhuma delas levam ao que fui.

Finco,
por qualquer razão turva,
a minha origem em tua existência,
carregando teu cheiro, toque, palavras
a cada memória recôndita
até que tua presença esteja em tudo o que sou.

Tua ausência
faz de mim a retirante
a buscar refazer,
em cada imenso detalhe do cotidiano,
a pátria que me fora amputada.

E é assim, que até mesmo distraída,
marco em minha pele o anagrama de teu nome,
formo em meus ouvidos a melodia da tua poesia,
imponho às minhas retinas a constante busca por ti
até o dia em que,
resignada em meu exílio,
volte a ver as cores das torres
torne a ouvir as buzinas, risos e gritos
e saiba que, de meu lugar,
restará apenas sentir saudade.

sábado, 29 de setembro de 2012

Anuário


Eu te desejo toda valentia e ousadia de um vaqueiro.
Que tomes a vida por seus chifres
vivenciando seus enigmas
nem que à ponta de peixeira
tenhas que rasgar os teus caminhos.

Que não feches os olhos frente a espinhos
e que não seja o amor só para os livros,
pois, se dele escreves frente a um grego
que versa sobre o léxico do desejo,
há que ter coragem de vivê-lo
em sua plenitude, loucura e zelo.

Que, ano a ano,
sejas incapaz de modelar teus passos,
eis que a vida explode, pulsa, se encaminha
e dedica a quem ousa atravessar a ponte
a audácia do sabor do novo
com seu olor doce e carnívoro.

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Nove encantos


Prestem atenção, meus senhores,
eis que vou lhes contar
a história de Maria Safira,
mulher de onça no olhar.

Foi sob um banho de estrelas,
lua alta no céu,
terra seca estalando
que este causo se deu.

Coreografados nove encantos,
após saltos e giros ao som de maracás,
foi dar de tropeço
com um ladrãozinho popular,
tipo franzino e esguio,
que veio se vangloriar,
recitando em rimas ricas
uma proeza sem par:
havia roubado de um anjo
um par de asas robustas
e se punha todo à proa
perante tanta formosura.

Safira teceu seu plano
para trapacear o bandido
e tomar do meliante
tamanho fruto bendito.

Um mandacaru lhe deu a flor
a compassar o seu feitiço
sem saber que bastaria apenas um sorriso
para furtar do larápio
até mesmo o coração.

Foi tão grande o desfastio,
nem bem o sol se pôs a pino,
secou a água no Sertão,
pois matou a sede, a moça,
após consumir sua paixão.

À Safira só restou
presentear o seu vadio
com sua conta preciosa,
fogo aceso, além do brilho.

Hoje vivem nas veredas
com os caminhos cerzidos,
conforme destino posto
pela reinação do Cupido.