quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Homem-Ossanha: o que diz ´vou´ e não vai

Xico Sá é pura poesia... Para a música, sugiro a versão do Casuarina: http://www.youtube.com/watch?v=vLRv2fjgJqE.

"Homem-Ossanha: o que diz ´vou´ e não vai

É tempo de homens frouxos e perdidos, baby. Homens que não pegam no tranco. Homens que estão sempre confusos. Melhor: 'cafusos', como na blagle do gênio Didi Mocó -'eu tô cafuso, eu tô cafuso'.
E não me venham mais, caros colegas de perdição, com essa história de que estamos zuretas por causa do avanço da fêmea e outros chabadabadás etc etc. Isso é coisa para simpósio, café filosófico, Casa do Saber etc.
Caí nesse conto do varejo sociológico, mas agora me rebelo. Estamos perdidos por preguiça sentimental mesmo. Pura acomodação. Não tiramos a bunda do sofá. Seja para ver um Madureira x Brasiliense ou para ver o título do Corinthians na Libertadores.
Fingimos que estamos reagindo aos sinais dos tempos. Necas. Não confundam metrossexualismo com sensibilidade. Usar um creminho e depilar o peito, nos casos mais extremados, não é ser um hétero com alguma delicadeza. Muito pelo contrário.
Estamos onde sempre estivemos: acomodados à repetição da rotina. Homem ama quando o garçom pergunta: 'o de sempre, doutor?' É deveras confortável. Daí levamos o conforto do botequim para todos os lugares.
Daí esquecemos o pedido mais óbvio e silencioso das mulheres: 'Me surpreenda, miserável!'
E, amigo, se ela tiver que verbalizar esse pedido implícito nos seus olhos e gestos, adeus, estamos lascados. É que já estamos no atoleiro moral do namoro ou casamento.
Nossa boa forma de usufruir o melhor dos mundos é fácil. É só aplicar o lema dos escoteiros: “Sempre alerta”.
Sempre ligado para ler os sinais no rosto delas. Ler principalmente os olhos, as entrelinhas, os silêncios ao dobrar a esquina etc. Não deixar que ela se entregue a divagações com os farelos dos pães do café para nós dois.
Se você dá chance à metafísica dos farelos, já era. Logo mais a danada vai alegar um tal de retorno de Saturno, vai ficar toda mística, e adeus. Todo cuidado é pouco com todas as fêmeas, mas, por favor, atenção redobrada às mulheres que chegam ali por volta dos 28.
Idade fatalíssima. Mais esforço, hombres. Também estou tentando.
O que nos mata é esse eterno 'Canto de Ossanha', como no samba de Vinícius de Moraes e Baden Powell: 'O homem que diz vou/ Não vai!'
Escute a música aqui e repare se não faz sentido.
Nunca estivemos tão vacilões. Canalhas primários. Só prometemos. Dizemos que vamos e… 'puerra ninguna', como diz meu papagaio paraguayo no seu portunhol selvagem.
Matamos até aquela clássica exclamação rosada das bochechas femininas: 'Você só quer me comer!!!'
'Quem dera', elas riem da nossa cara. Nem isso. Muitas vezes nem isso, como me contam aqui, na apuração da tese de boteco, as minhas lindas Gi,Dri,Mi,Bi,Fá,Só, Lá,Si…Dó! SP ama encurtar os batismos, eu acho ótimo e afetivo.
Passo a régua com um haikai que fiz um madruga dessas, no mercado do Peixe, Salvador, Rio Vermelho: Você vem, mexe, assanha /depois fica no vai não vai/ parece 'Canto de Ossanha'."

In: http://xicosa.blogfolha.uol.com.br/2012/07/03/e-tempo-de-ossanha-homem-que-diz-vou-nao-vai/

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Incógnita

Se na pena e no papel
eu não me encontro,
perdi-me pelas bifurcações,
pelos caminhos tortos
que tomei.
Na secura,
meu eu, meu ponto-incógnita,
procura-se em Tel Aviv.

Não fui
a vaca profana
do bom leite etílico
jorrando em fontes
de minhas tetas,
nem as palavras soam mais
ácidas ou líricas.

Não queira chegar
ao centro lúdico de meu eu
solitário e nômade,
ainda escondido por detrás de minha antiga máscara -
relíquia de algum carnaval em Veneza.

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Como brasa


Pensava ter arrancado

cada traço do teu gosto

dia após dia

ao despir-me das vestes.

Mas, ah, meu amor,

és a crua linha

que marca e que tece

palavra a palavra

como brasa sob a pele.

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Não sairás impune


Não sairás impune
por deixares escorrer entre teus dedos
a areia do infinito das horas que dediquei a ti.

Não sairás impune
pelo oceano que, por ti, atravessei a nado
ainda que minha única certeza
fosse a do acaso de um encontro acidental.

Não sairás impune
pelos mimos e presentes com que te agradei
na vã expectativa de ver
minha inerte presença em todos os teus dias.

Não sairás impune
por cravares em meu dorso
palavra a palavra
de ensaiadas frases
até que em minha pele não houvesse nada além de ti.

Não sairás impune
por não teres compreendido nada.
Nada!
Eis que foste incapaz de decifrar meu olhar
urrando o sufocado “eu te amo”.

Não sairás impune, meu bem,
por não teres feito de tua “aventura”
o teu cotidiano
por, no futuro,
vires a ser inevitavelmente
arrebatado pela constatação
de que renegaste teus próprios poemas,
pois sua tinta é meu sangue,
seus versos, meus ossos,
suas rimas, minha alma em brasa!
E, diante de tão vazia realidade,
esta que covardemente escolheste,
desejarás ter dilacerado a tua carne
em nosso “acidente”.

Crê em mim.
Não sairás impune!

sábado, 3 de novembro de 2012

Perfil


Gosto da simplicidade.
De um balão que se desprende
de pequeninos dedos
para cumprir seu incerto destino.
Do olhar de uma criança
ao tatear em descobertas
o rosto de seu pai.
Do eco das risadas de amigos
numa tarde ensolarada
imprimindo na lembrança uma bela comunhão.
Gosto também de paixões destemidas
de não calcular o futuro
de amar e sofrer
tendo, assim, a certeza de pulsar.
Gosto de chorar frente à beleza
de cantar mesmo sem voz
e de dançar até amanhecer.
Gosto de redescobrir um livro
e de fazer da primeira a sequência de sua última página.
Gosto da transparência de meus olhos
de ser dócil quando bailarina
ou felina quando mulher em brasa.
Gosto, enfim, de ser tão humana
a ponto de permitir-me a fragilidade do erro
presenteando-me com a possibilidade de
em minha imperfeição
continuamente aprender.